No dia 2 de Novembro às 21h30, a plataforma cultural Underdogs vai estrear The World as a Whole, o seu primeiro filme documental, na sala Manoel de Oliveira do mítico Cinema São Jorge em Lisboa. Inserido na programação da Festa do Cinema Francês, esta curta-metragem, realizada por Ana Pires, transporta-nos para os bastidores de (Sem) Fronteiras, um projecto da Underdogs, desenvolvido no âmbito da temporada Portugal – França 2022, que desafiou quatro artistas portugueses e quatro artistas franceses a convergirem para criar intervenções de arte pública em quatro cidades geminadas entre Portugal e França.
Sobre o projecto (Sem) FronteirasConcebido pela Underdogs e desenvolvido em parceria com o Instituto Francês, o projecto de arte pública (Sem) Fronteiras tem como objectivo promover um encontro criativo entre quatro artistas portugueses e quatro artistas franceses, levando à criação de intervenções de arte pública em quatro cidades costeiras germinadas.
– Capbreton (França): Wasted Rita & Elea Jeanne Schmitter
– Nazaré (Portugal): Tamara Alves & YZ (Yseult Digan)
– Bordéus (França): Add Fuel & L’ATLAS
– Porto (Portugal): ±MaisMenos± & RERO
Delineado no âmbito da Temporada Portugal-França 2022 e com curadoria de Pauline Foessel e Alexandre Farto aka Vhils, (Sem) Fronteiras constitui-se como um diálogo aberto entre os dois países. Uma porta aberta, construída de trocas, idas e vindas visuais e poéticas entre criadores de um mesmo movimento – a cultura urbana – explorando mundos estéticos e conceptuais que, apesar de sublinhados por evidentes diferenças, encontram-se encapsulados por uma profunda complementaridade.
As quatro intervenções colaborativas têm como mote uma reflexão sobre a natureza e o futuro das fronteiras, não só na sua dimensão geográfica, mas também na sua amplitude conceptual. Neste contexto, será dado um especial enfoque à complexidade das fronteiras urbanas e a forma como a criação contemporânea no espaço urbano joga com as fronteiras das cidades. Adicionalmente, e também como consequência da geografia costeira dos territórios escolhidos, os artistas serão desafiados a explorar as fronteiras terrestres e marítimas, e as delimitações visíveis e invisíveis que existem no seio da União Europeia.
Abrindo caminhos de exploração social, cultural, económica e política, (Sem) Fronteiras pretende acentuar a possibilidade de um espaço europeu que desperte o estabelecimento de relações recíprocas entre pessoas e ideias, enaltecendo também o poder da intervenção artística enquanto ferramenta para o questionamento e alavanca para a coesão social e geográfica.
CAPBRETON – Wasted Rita & Elea Jeanne Schmitter
A dupla de artistas Wasted Rita e Elea Jeanne Schmitter trabalharam sobre uma série de arquivos captados em Capbreton durante o confinamento. Todos os dias, e graças a uma câmara de filmar em VHS, o pôr-do-sol foi gravado e arquivado, gerando um diário destes dias, que por vezes parecem ser todos iguais. Tendo como objectivo desenvolver uma colaboração dentro deste território e que reflectisse as experiências de ambas, as artistas utilizaram a plasticidade do pôr-do-sol e a forma como o experienciamos, tanto individualmente como de forma colectiva, para desenvolver uma estética relacional, questionando o renascimento e o sublime. Considerando que o ser humano sempre se interessou mais no pôr-do-sol do que pelo seu nascer, estes são aqui encarados como uma promessa da conclusão de todos os dramas do dia. As artistas lidam com a experiência universal deste ciclo, pertencendo não só aos humanos, mas também a todos os seres do oceano e da terra desde o começo do tempo. Esta pequena morte, pequeno luto dos feitos ou derrotas do dia, junta as pessoas durante estes curtos minutos de êxtase apocalíptico.
What do people think about when they’re staring at the sunset? I have a weird obsession with the ocean and its creatures. What do they do for fun? Do they know about Dua Lipa? Do they have bad days? Can they mute their peers?
I’m pretty sure a squid goes viral easier than a pigmy sperm whale, but a pigmy sperm whale has more followers than a sunfish.
What about dolphins? Do they get sad when it’s terrible weather? Do they gather with their loved ones in strategic places to watch the sun go down as well? Is the sea level rise kind of like gentrification? Do they have to move constantly in hopes of finding a better place to live?
A artista e ilustradora portuguesa Wasted Rita tem vindo a desenvolver uma prática de natureza crítica e particularmente intimista que explora a sua relação amor-ódio com a vida e o mundo à sua volta. A assumida “agente provocadora nata” gosta de pensar, escrever e desenhar, dando vida a pequenas jóias de sabedoria sarcástica embebidas em ácido que reflectem uma educação não convencional num colégio católico ao som de Black Flag. Fazendo uso de uma variedade de suportes – incluindo objectos esculturais, instalação, pintura, desenho e escrita – a sua voz singular dá forma às suas observações mordazes e invectivas poéticas sobre o comportamento humano e a cultura contemporânea. Desde 2011, tem apresentado o seu trabalho numa variedade de contextos, incluindo exposições individuais e colectivas em galerias, instituições e eventos artísticos em vários países.
Elea Jeanne Schmitter é fotógrafa, artista conceptual ou investigadora, talvez até seja um pouco de cada, de acordo com as personagens que interpreta, os rituais que imagina, as partes da vida que reconta e os sentimentos que partilha. Guiada por um interesse em sistemas de comunhão e agrupamentos conceptuais entre pessoas, a sua prática envolve uma extensa pesquisa sobre o poder e a estrutura do secretismo e a natureza precária da verdade. Elea Jeanne Schmitter explora a imersão como forma de criação, decisões irracionais como soluções e o inesperado como uma porta giratória para o que está por vir. O trabalho da artista evolui através do processo de uma viagem que é essencialmente utópica, de uma narrativa que pressupõe uma procura: a procura do verdadeiro amor, da espiritualidade e da ideologia política.
NAZARÉ – Tamara Alves & YZ
Sobre o título I:REVERSIBLE, para este mural a artista portuguesa Tamara Alves e a artista francesa YZ conceptualizaram uma alusão à prática ancestral e maioritariamente feminina da secagem do peixe na Nazaré. Enquanto extensão do conteúdo sobre esta temática no Centro Cultural da Nazaré, que visa a promoção e preservação deste legado, o mural vem sublinhar este tema, dando-lhe protagonismo a céu aberto em plena vila. YZ desenvolveu um retrato de uma das últimas Nazarenas e detentoras deste conhecimento único, enquanto Tamara Alves criou uma composição de uma jovem mulher, representando as possibilidades do futuro, de forma a questionar a nossa relação com este património.
Enquanto a intervenção de YZ alerta para a perda desta tradição, levando-nos a pensar sobre o que pode e deve ser feito para a preservar, Tamara Alves trabalha as formas de caminhar em frente, valorizando o passado e o trabalho destas mulheres, mas representando um futuro onde estes corpos femininos possuem opções, criando uma nova narrativa onde as mulheres estão em pleno controlo das suas decisões e escolhas, dos seus futuros.
Tamara Alves é uma artista e ilustradora portuguesa que reside actualmente em Lisboa. Licenciou-se em Artes Plásticas (ESADIPL) e fez um mestrado em Práticas Artísticas Contemporâneas, onde o assunto da dissertação foi “Activismo Público em Contexto Urbano”. Interessada desde sempre por um tipo de arte que é “inserida” no mundo, fascinada pela estética da rua e pelo contexto urbano, Tamara prefere ignorar espaços convencionais como galerias ou museus para apresentar o seu trabalho na rua ou em espaços públicos. No seu trabalho é representado o panorama erótico de um corpo contemporâneo com esses efeitos de dilatação dos limites que o constituem. Uma paixão bruta, em vez da deliberação racional, um corpo-sem-órgãos, um devir animal, as sensações experimentadas, “esfomeados histéricos nus” (Allen Ginsberg). Apresentando uma linguagem plástica inspirada na estética urbana, utiliza suportes com características multifacetadas – desenho, pintura, cerâmica ou tatuagem. Desde 2000, participa em vários projectos, exposições individuais e colectivas, e intervenções de arte urbana.
Yseult Digan aka YZ é uma artista franco-britânica cujo trabalho explora contextos históricos e políticos ligados às realidades de descendentes de escravos do Caribe, mulheres-soldado africanas e figuras femininas de uma diversidade de origens étnicas. As suas composições, que variam em escala, meio e técnica, representam uma tentativa de reabilitar a imagem e posicionamento de grupos obscurecidos e destratados pela História. O seu trabalho tem sido apresentado em instituições de renome como o Centre Pompidou em Paris ou o ArtScience Musuem em Singapura, e em 2017 foi escolhida para dar uma nova face a Marianne – a personificação nacional da República Francesa – na sua representação em selos de correio: uma reinterpretação que intitulou de “Marianne l’Engagée”. Em 2019 foi convidada pela Eurotunnel a criar dois trabalhos monumentais, um em cada lado do Canal da Mancha. Depois de ter vivido e trabalhado vários anos no Senegal e Costa do Marfim, actualmente reside em França.
BORDÉUS – Add Fuel & L’Atlas
O artista português Add Fuel (Diogo Machado) e o artista francês L’Atlas (Jules Dedet Granel) criaram uma intervenção de arte pública que combina a assinatura caligráfica de L’Atlas com a linguagem geométrica presente na estética do trabalho de Add Fuel. Ao desconstruir a assinatura em camadas geométricas e substituir o cinzento que tem vindo a assumir primazia na obra do artista francês por azul e branco, cores coerentemente presentes na obra de Add Fuel, estabeleceram uma união equilibrada e simbiótica das suas estéticas particulares. Ambos expressaram uma profunda preocupação com a concretização de uma harmonia cromática perceptível, e este equilíbrio conceptual culmina num diálogo das suas formas visuais singulares numa única proposta.
Add Fuel é Diogo Machado, artista e ilustrador português. Ex-designer gráfico, a sua prática artística recente tem-se concentrado em reinterpretar e brincar com a linguagem tradicional do azulejo, e em particular aquele de origem portuguesa. Mesclando elementos tradicionais e contemporâneos, as suas originais criações de base vectorial e intervenções de rua com recurso ao stencil revelam uma impressionante complexidade e uma mestria na atenção ao detalhe. Com base numa combinação de tesselações que criam harmonia a partir de repetições simétricas e técnicas de ilusão visual como o trompe-l’oeil, as suas composições de padrões multi-dimensionais criam um ritmo poético que joga com a percepção do observador e as possibilidades de interpretação. Desde 2006 tem exposto o seu trabalho em mostras individuais e colectivas, assim como participado em alguns dos principais eventos mundiais de arte urbana.
L’Atlas é o artista francês Jules Dedet Granel. Tendo estudado caligrafia em vários países e contextos multiculturais, a pesquisa e a escrita representam pontos de partida para o seu trabalho plástico e pictórico. Criando tipografias originais, L’Atlas é particularmente fascinado pela ideia de uma linguagem universal que detenha o equilíbrio ideal entre forma e letra, entre acto e intenção. Nos anos 90 começou a criar intervenções no espaço público, tornando-se amplamente reconhecido no mundo do graffiti. O seu trabalho de estúdio começou a tomar forma no início dos anos 2000, levando a uma série de exposições em galerias de arte urbana contemporânea. A sua prática artística envolve uma sistemática pesquisa e renovação da sua abordagem às letras e linhas, e ao ritmo codificado da escrita. Explorando a fronteira do ilegível, o seu trabalho tem-se tornado progressivamente mais abstracto e minimal. Recentemente começou a colaborar com urbanistas para dar uma terceira dimensão à sua arte, acentuando assim a componente arquitectónica do seu trabalho.
PORTO – ±MaisMenos± & Rero
Esta instalação de ±MaisMenos± e Rero questiona a relação com as utopias positivas e negativas do nosso tempo, tentando traçar a fronteira que as divide e que é essencial reinventarmos. Para questionar a dicotomia das utopias, cada artista propôs um aforismo, escrevendo-o no mesmo suporte, com o intuito de criar uma ressonância e oferecer ao mesmo tempo uma tese e uma antítese a partir da qual o espectador pode tirar as suas próprias conclusões. ±MaisMenos± pintou as palavras esperançosas de Martin Luther King Jr. “I HAVE A DREAM” na sua tipografia “Universe” como uma mensagem de amor: uma expressão calorosa repetida infinitamente como um mantra. Por sua vez, Rero contrapõe com a afixação da expressão “NOT TODAY” em LED, utilizando um grafismo discreto com a sua estética fria e contemporânea, que risca como é do seu costume, para questionar as palavras neste contexto, estabelecendo assim um curto-circuito à primeira leitura utópica de ±MaisMenos±. Este diálogo entre os dois artistas permite uma leitura polissémica permanente sobre a questão das utopias, trazendo-as para o espaço público e para a malha urbana da cidade, onde oferecem uma visão alternativa do mundo, interrogam o espectador e convidam-no a reflectir sobre a ambiguidade da existência humana e a ser parte activa do pensamento artístico.
±MaisMenos± é um projecto de intervenção artística do artista e designer gráfico português Miguel Januário, que começou no âmbito de uma tese académica em 2005 e mais tarde ganhou vida própria. Oferece uma reflexão crítica sobre o modelo de organização política, social e económica inerente às sociedades urbanas contemporâneas. Efectuando uma dissecção clínica da realidade que joga com o sistema de dualidades intrínseco ao edifício ideológico ocidental, a expressão programática do projecto encontra-se conceptualmente reduzida a uma equação de simplicidade e opostos excludentes: mais/menos, positivo/negativo, preto/branco. Sob a insígnia ±MaisMenos±, o artista tem produzido trabalho instigante e inovador tanto dentro como fora de portas, numa variedade de suportes – do vídeo às instalações esculturais, da pintura à performance. A par das inúmeras intervenções ilegais no domínio da arte pública realizadas em vários países, o projecto também tem sido exposto em mostras individuais e colectivas em múltiplos contextos. A sua obra encontra-se representada em várias colecções privadas.
O instantaneamente reconhecível trabalho de RERO contém uma fluidez inerente, explorando uma panóplia de conceitos sociais, da tecnologia e consumismo à linguagem e obsolescência. Quebrando barreiras e distanciando-se do uso de superfícies tradicionais para a implantação das suas afirmações minimais, as intervenções textuais de RERO, sempre executados na mesma tipografia Verdana e desprovidas de qualquer afloramento, exploram o confronto, a estética da destruição e a ideia da apropriação. Passando por trabalhos em tela, livros antigos, néon, porcelana, bustos escultóricos, paredes de pladur, jornais carcomidos, máquinas de escrever e bandeiras, as suas peças mais ambiciosas constituem-se como instalações de grande escala que usam o espaço de galeria ou museu como um lugar para explorar noções de contexto e percepções de espaço. Os trabalhos de RERO têm sido apresentados numa diversidade de espaços públicos e privados, incluindo o Centre Pompidou, Musée en Herbe e o Musée de la Poste, Confluences em Paris e Antje Øklesund em Berlim. Mais recentemente o seu trabalho tem sido exposto um pouco por toda a França, Estados Unidos, Alemanha, Itália e Suíça.