A artista portuguesa Joana Vasconcelos instalou, a convite da marca de alta-costura Dior, uma das suas Valquírias monumentais no desfile que decorreu ontem em Paris, dedicado à coleção feminina para a temporada outono/inverno 2023-2024. Joana Vasconcelos aplicou nesta Valquíria, 'Valkyrie Miss Dior', os tecidos usados nesta coleção, algo "nunca feito" segundo a artista. As Valquírias de Joana Vasconcelos são grandes estruturas com vários braços, inspiradas no mito escandinavo em que as mulheres enviadas de Odin tinham a missão de escolher os vencedores e acompanhar os guerreiros mais corajosos após a morte.
"Trazer esse impacto das artes plásticas para o Mundo da moda é interessante, porque é uma outra relação e isso é inovador. Nunca as artes plásticas se cruzam com a moda desta maneira, pode haver uma peça, pode haver uma interação, mas a este grau de escala, esta colaboração tão estreita que é partir do mesmo material em duas direções diferentes, acho que nunca foi feito", afirmou a artista em declarações à agência Lusa, durante a montagem da peça em Paris.
O desfile da Dior decorreu no Jardim das Tulherias, onde a marca instalou uma passarela para acolher esta 'Valkyrie Miss Dior', que pesa mais de uma tonelada e é composta de 20 padrões diferentes de tecidos fornecidos por esta casa de alta-costura a Joana Vasconcelos.
A partir de um centro azul, partem vários braços coloridos em todas a direções, com acabamentos em 'crochet' de lã, bordados de Viana do Castelo e pedrarias. Esta não é a primeira vez que a artista colabora com a Dior, tendo realizado em 2013 a peça 'J'adore Miss Dior', em que utilizou centenas de garrafas de perfume da marca para fazer um laço gigante.
"Nunca tínhamos feito uma coisa tão grande. Aprendi [com a Dior] um grau de profissionalismo, de exigência. A moda tem um ritmo muito mais acelerado que as artes plásticas. Tenho aprendido muito com esta colaboração, com regras diferentes, mas onde as pessoas querem estar cada vez mais unidas, querem partilhar para crescer", declarou.
O projeto para esta Valquíria começou a ser discutido no verão de 2022 e a execução teve início em novembro, em estreita colaboração com Maria Grazia Chiuri, diretora artística da Dior. Desde o início, tal como acontece nas suas outras obras neste formato, Joana Vasconcelos queria que esta peça homenageasse uma mulher. "Eu disse logo que não ia fazer uma peça só por fazer, disse que tinha de haver uma história, temos de prestar homenagem a alguém, a uma mulher importante na história da Dior. E depois, de repente, a [diretora artística] começou a falar-me da irmã do Christian Dior, a Catherine Dior, e fez-me todo o sentido homenageá-la", contou a artista.
Catherine Dior foi uma resistente francesa capturada pela Gestapo em 1944, antes da libertação de Paris. Deportada para o campo de concentração de Ravensbrück, passou depois por várias prisões de trabalho forçado até ser liberdade em 1945. Regressada a França, recebeu várias homenagens pela sua participação na guerra. Após ter ajudado a irmão a fundar a sua marca de roupa, Catherine Dior tornou-se florista e mesmo produtora de flores, o que inspirou a coleção e a Valquíria apresentadas em Paris, com padrões florais e cores inspiradas na Natureza. No entanto, e mesmo se a colaboração com Maria Grazia Chiuri foi muito próxima, a artista portuguesa não conhecia até ao início do desfile a coleção da Dior, declarando que o desfile é "uma grande performance" e que só ficará completo quando as modelos passarem entre os tentáculos da sua criação.
"Eu nunca vejo nada, portanto o desfile é uma grande performance em que a peça fica completa. Quando as modelos vierem vestidas do tecido azul, vêm para a pétala azul, quando vierem de amarelo ficam debaixo do braço amarelo, mesmo que o tecido não seja o mesmo, fará sentido", indicou Joana Vasconcelos.
A artista portuguesa está a ultimar outra obra monumental em Paris, a "Árvore da Vida", que vai ser instalada na Capela do Palácio de Vincennes. Uma obra muito diferente desta Valquíria que se impôs na Semana da Moda, segundo explicou a artista.
"É uma peça muito bonita, muito diferente desta, tem outro cariz. Gera um diálogo com o património e é uma espécie de colaboração com o tempo e com o espaço e como é que se vê o património. Gera um universo diferente deste. Há todo um lado do passado n''A Arvore da Vida', na história de França, do princípio de Paris, é uma peça com outro tempo", disse a artista.
Joana Vasconcelos regressa a Paris para a inauguração d''A Árvore da Vida' a 27 de abril, data em que esta exposição vai abrir. Esta peça monumental poderá ser vista em Lisboa, no Museu de Arte Arquitectura e Tecnologia (MAAT), mais tarde, no outono, em data a anunciar.