Quem é Paula Rego?
Paula Rego retrata histórias dos seus relacionamentos familiares disfuncionais, sistemas políticos (como o de António de Oliveira Salazar de Portugal) e estruturas sociais, na pintura de forma brutesca, sóbria e poderosa. As mulheres e os animais ganham poder nas suas obras profundamente expressivas e ambíguas. Do abstracionismo ao conceptualismo, as suas peças inserem-se num campo figurativo próprio: «o belo grotesco». Em composições surreais com uma crueldade - tanto subtil quanto explícita - a artista portuguesa demonstra o seu próprio imaginário e a brutalidade dos acontecimentos da sua vida. A artista visual luso-britânica que é particularmente conhecida por suas pinturas e gravuras baseadas em livros de histórias. O estilo de Paula Rego evoluiu de abstrato para representativo, e preferiu pastéis em vez de óleos durante grande parte de sua carreira. Paula Rego estudou na Slade School of Fine Art, University College London e foi membro expositor do London Group, juntamente com David Hockney e Frank Auerbach. Foi a primeira artista residente na National Gallery em Londres. Conheça cinco obras icónicas da carreira de Paula Rego.
1. A Família, 1988
Na pintura "A Família" o pai e marido ausentes retornam para a pintura, para ser, logo depois, agarrado pela sua filha e esposa. Como usual nas pinturas de Paula Rego, as pistas da narrativa são ambíguas levantando diversas questões: A mãe e filha estão ajudandar o homem ou magoa-lo? Quem é a criança na janela? Será que as pistas estão no retábulo português que contém São João e, ao lado, São Jorge a matar o dragão? Ou, logo abaixo, na ilustração da fábula da cegonha e a raposa? O homem está condenado como o dragão, ou ele irá ressurgir, como a raposa, para então devorar a cegonha? Podemos considerar que esta obra evoca a igualdade de géneros, devido à forma como Paula Rego representa o homem passivo que contrapõe com as acção feminina. Por outro lado, são representados ícones que nos indiciam a presença de violência doméstica. Neste quadro podemos ver no primeiro plano, do lado esquerdo, uma mesa parcialmente coberta por um pano vermelho, onde também constam um jarro e uma flor vermelha em que parte pende para fora da mesa. No segundo plano, centrado, vemos três figuras, duas femininas e uma masculina, esta encontra-se sentado nos pés da cama e as duas mulheres cuidam dele. Num terceiro plano, podemos ver uma quarta figura que observa a cena, é uma figura bastante iluminada encontrando-se junto da janela que está aberta, no plano mais afastado vemos um armário com um oratório. Paula Rego representa com frequência a figura masculina como inútil, também nesta pintura, a figura masculina que deve representar o pai, está sentado, com as pernas afastadas, passivo, deixando que as mulheres tratem dele. A figura que está à sua frente, no meio das pernas da figura masculina, representa a mãe, pelo seu aspecto mais velho e fechado, segura as calças do pai. A figura que se encontra por trás do pai, será a filha mais velha, embora tenha um laço no cabelo, nota-se que não é tão velha como a menina que se encontra junto da janela. A filha está de joelhos em cima da cama permitindo-lhe segurar a mão e ajudar o pai com a manga, a menina junto da janela dirige o olhar para o observador, evitando olhar para a acção. O oratório do fundo do quarto conduz-nos ao mundo da violência doméstica. Nesse oratório vê-se uma imagem feminina que eleva o olhar para o céu em prece e aos seus pés vemos uma figura masculina e jovem que luta contra um forma animalesca. Esta última figura ao manter um ramo de árvore levantada indicando que irá bater na figura que se encontra por baixo é uma mensagem de violência e provoca o observador que se sente provocado mas também passivo.
2. A Dança, 1988
Em tons azuis e cinzas intensos, esta é uma pintura com uma luz fantasmagórica que sugere um episódio de sonho ou uma fantasia surrealista. Os dançarinos são baixos e encorporados, com movimentos e trajes que remetem a tradições folclóricas portuguesas da década de 1950. Em segundo plano, uma construção sinistra, semelhante a uma fortaleza, num afloramento rochoso que acaba por aumentar o clima perturbador da pintura. As obras de Paula Rego baseiam-se nos contos folclóricos ou de fadas e nas imagens ambíguas e incômodas, ligadas a suas lembranças de infância. Com dimensões épicas, esta pintura com referências autobiográficas, representa o ciclo da vida feminino, da infância à maturidade sexual, maternidade de velhice. A composição é parecida com a obra "A Dança da Vida", do pintor surrealista norueguês Edvard Munch, que também representa um grupos de pessoas a dançar ao luar, à beira-mar, com uma figura que simboliza a inocência à esquerda.
“A Dança” é uma das obras em que Paula Rego se despede do marido, Victor Willing. Este é representado na pintura como o primeiro homem que aparece, à esquerda, dançando com outra mulher. A cena passa‐se na Ericeira e evoca também os tempos que a família ali viveu. A doença de Vic Willing, com um desfecho previsível, está na base de várias obras de Paula Rego, da série “Mulher cão” a “A família'' (1988), passando por “Partida” (1988) e “A dança” (1988), despedidas comoventes.
3. Snow White and her Stepmother, 1995
Qualquer obra de Paula Rego tem uma carga elétrica que permanece viva e pronta para chocar. A artista portuguesa é apaixonado pela escuridão dos contos de fadas, tendo os reinventado como pesadelos pessoais com tons de medo em novas versões que são ainda mais assustadoras do que as narrativas originais. Produziu uma série de desenhos e gravuras baseados em imagens da Disney, desde da Branca de Neve, Pinóquio e Peter Pan, bem como imagens de Jane Eyre. Nesta Paula Rego muda a hierarquia das histórias, recontextualiza-as na vida contemporânea e preenche-as com uma espécie de pavor sexual. Snow White and her Stepmother, é um grande pastel de 1995, com uma imagem perturbadora e carregada de emoções. Neste reconhecemos a branca de neve, pelo seu vestido iconico, a ser ajudada para entrar na roupa interior branca, por uma mulher mais velha num vestido justo e salto agulha preto. Há algo sinistro neste ato entre as duas mulheres: Branca de Neve, a criança infeliz, sendo forçada a vestir (ou talvez tirar) a sua roupa interior. Sem dúvida, que poder desta obra encontra-se na estranheza do conteúdo combinado com a forma poderosa das figuras.
4. Série Aborto
“As mulheres irão sempre abortar, e com estas leis, irão fazê-lo encontrando outras soluções que colocam em risco a sua vida” — Paula Rego
Paula Rego, que criou em 2000, uma série em pintura dedicada ao aborto, depois do primeiro referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez em Portugal. O aborto foi proibido, tendo sido realizado um primeiro referendo para a sua despenalização em 1998, que acabou por não ser vinculativo devido à participação abaixo dos 50% dos eleitores. Use as ferramentas de partilha que encontra na página de artigo. Foi na sequência deste resultado do primeiro referendo que criou a série de dez quadros em pastel que, sem rodeios, retratam mulheres vivendo situações de abortos. Estas circularam em várias cidades do país, com o objectivo de contribuir para a causa da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, algo que só viria a acontecer em 2007, após novo plebiscito. A gravura a preto e branco, criada em 2000 mas só agora impressa para venda, mostra uma mulher que se prepara para fazer um aborto clandestino, sentada a um canto, com um balde ao lado. “Fiquei tão furiosa porque recordei as minhas experiências de aborto clandestino quando era estudante na Slade School of Art, em Londres, nos anos 1950, onde era também ilegal”, escreveu Paula Rego ao Público.
5. Doctor Dog
A “pintora de histórias” baseia-se nos contos folclóricos e de fadas, literatura e sua própria biografia para criar quadros politicamente carregados e profundamente perturbadores. As suas composições vigorosas estão imbuídas de crueldade - subtil e aberta - e permeadas de uma sensação de desconforto e ambiguidade. Em primeiro plano mulheres e meninas, e muitas vezes animais como substitutos para os humanos. Paula Rego é fascinada pelo que chama de “o belo grotesco” na vida e na arte. Como ela descreve: “É o divino, talvez. […] Refiro-me a algum outro tipo de divino, que se liga muito fortemente aos contos e histórias folclóricas portuguesas – a força deles e, muitas vezes, a enorme crueldade envolvida. A crueldade é fascinante.”