“José de Guimarães narra os mitos da nossa cultura ocidental como uma criança. Nomeadamente a cultura portuguesa, embora as desvie do seu uso épico ou trágico. Histórias que nos são propostas, convertidas em códigos cheios de humor que nos convidam a pensar sobre os jogos do mundo. Assim pensa José de Guimarães ou as suas pinturas. Do que está para sempre inacessível ou disperso, ele guarda um sentido das histórias cujos fragmentos ficaram em nossa memória.” — Eduardo Lourenço, filósofo
Através das artes plásticas, José de Guimarães cria uma síntese entre as culturas africana e europeia com a criação de um “alfabeto” ideográfico, inspirado em formas e símbolos africanos. Este foi o ponto de partida para o desenvolvimento de um universo e de uma linguagem, que tem vindo a depurar ao longo dos tempos. A aplicação da obra de José de Guimarães vai desde um relógio a uma escultura gigante para uma rotunda, de copos à estação de metro. Descubra aqui os vários meios de criação de José de Guimarães.
Desenho
O desenho é um movimento estrutural em toda a obra de José de Guimarães. Espelha uma intensa atividade cotidiana de transformação da realidade e se expressa em múltiplas técnicas. Da caligrafia às linhas de aspecto infantil, em cartolina ou papel, utilizando técnicas e materiais diversos, o desenho tem uma função regeneradora na sua obra.
Gravura
Ao longo do seu percurso, José de Guimarães vai sempre para lá do convencional na utilização das técnicas de gravura: “A maior parte das minhas gravuras, são gravuras de tiragens muito pequenas, muitas vezes são provas, quase direi únicas, porque as minhas edições, são edições realizadas por mim, são edições experimentais. "Desde do início, José de Guimarães foi autónomo em termos de meios de impressão, a começar por ter adquirido um ferro velho, com o qual imprimiu a sua primeira Xilogravura, pela prensa de rolos adquirida na GRAVURA, a qual sempre o acompanhou e ainda hoje utiliza, e pela montagem dum atelier de serigrafia, quando ganhou em 1977 uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian por dois anos, para estudar fotografia e serigrafia. São exemplos disso, as gravuras em alumínio que realizou em Angola, devido à escassez dos materiais convencionais, o zinco e o cobre. Consciente da desadequação do alumínio por este ser muito macio, e por isso difícil de controlar a sua mordedura na tina dos ácidos, em vez de desistir, o artista insistiu na sua utilização criando várias gravuras neste material, ciente do potencial expressivo único, que esta particularidade do alumínio comportava. No processo criativo de José de Guimarães a gravura é uma componente estrutural na experimentação Constitui assim uma força motriz na sua evolução como artista, levando-o a um processo evolutivo ao longo da sua obra. Apostou na variação de possibilidades ao nível da impressão, fazendo tiragens não ortodoxas nas quais, a partir da mesma matriz experimentou vários tipos de tintagens e uma variedade cromática. Obteve assim obras únicas e um leque mais abrangente de soluções formais a partir das matrizes, em oposição à repetição de imagens iguais obtidas na tiragem convencional. A gravura é utilizada pelo artista como uma forma de expressão artística autónoma, e nunca de forma subsidiária em relação às outras formas de expressão plásticas.
Pintura
As pinturas, como os outros meios, estão carregadas de simbologia. Começou a expor em plena guerra, em pleno teatro de operações, as obras eram codificadas, pois na altura era a linguagem possível. De resto, fez muito desse trabalho ainda numa fase quase de intuição ” eu intuía coisas, previa coisas, mas não percebia ainda muito bem”. Para José de Guimarães, as cores que utiliza são cores que vêm do começo do seu trabalho; eventualmente de África das festas populares extremamente coloridas do norte de Portugal, onde nasceu. Recorda-se em especial das procissões e peregrinações onde havia uns andares enormes repletos de espelhinhos de luz. Realmente as cores da celebração são normalmente cores vistosas. As procissões, as bandeiras, os estandartes: há uma efusão de cor para celebrar as coisas importantes. No fundo há uma exuberância, um extravasamento. De certo modo, as cores ajudam a uma certa celebração. Segundo Nuno Faria: “No contexto da obra heterogénea de José de Guimarães, a pintura emerge como o principal continente, o território de onde tudo parte e onde tudo chega. Trata-se de uma produção imensa, plural nos formatos e suportes, marcada pelas diversas incursões que o artista tem feito pelas mais distantes regiões do mundo. Uma produção porosa, aberta à experimentação, em que se pode discernir com nitidez as diferentes conquistas, as influências, os processos de maturação, a reinvenção formal, a proliferação dos materiais, a construção de um imaginário povoado de bestiários e marcado pela sucessão de diferentes alfabetos ideográficos.”
Escultura
As esculturas bi-dimensionais de José de Guimarães são na maioria formas, encaixadas umas nas outras, podendo auto-sustentar-se no espaço. Na realidade, as suas peças parecem folhas de papel encaixadas, mesmo nas esculturas de grande porte, construídas em cimento e betão armado, não deixam de ser arte bi-dimensional. Mesmo as esculturas de José Guimarães, em suportes mais convencionais, asseguram o princípio básico da tridimensionalidade e trazem todo o universo e arrojo do artista. Tratam-se de obras escultóricas constituídas por pintura em suporte de cartão recortado e apoiadas numa base, podendo, por isso, ser consideradas obras híbridas entre a pintura e a escultura. O próprio artista afirmou: “O que faço não se encaixa em designações rigorosas.” Até hoje, José de Guimarães não sabe se faz esculturas. O historiador de arte José-Augusto França designa-as de picto–esculturas, porque uma das suas características é serem esbeltas, como se lhes faltasse a terceira dimensão.
Arte urbana
Foi no metro que começou a despertar a atenção para as suas obras públicas. Na realidade para José de Guimarães: é importante que a arte pública seja uma arte humanista, uma arte em que as pessoas se sintam envolvidas e não pode ser uma arte repulsiva, o que muitas vezes acontece. Na arte pública, tem demonstrado sua personalidade, sem perder a sua marca! “Os trabalhos de arte pública são complicados. Implica lidar com instituições e depende de decisões políticas, orçamentos oficiais, são coisas lentas", declara José de Guimarães, pormenorizando: "A escultura do Parque das Nações levou, por exemplo, sete anos, e a estação de Carnide cinco. Quando as peças são projectadas e depois inauguradas, a linguagem artística evolui. Apesar das limitações impostas, o artista está satisfeito. Gosta de fazer estruturas e arte pública e diz que as pessoas respeitam esta arte: "As estações de metro em Lisboa quase não têm 'graffitis'. Após Carnide começou a acrescentar neon às suas obras publicas. Esse elemento, com as linhas vibrantes e sensuais de seu projeto de iluminação e o apelo feérico da cultura de massa, é integrado ao vocabulário do artista, destacando suas cores e formas, é amplamente utilizado na arte pública.