A vida e obra de Júlio Pomar
Um dos artistas mais conceituados do século XX português, Júlio Pomar deixou uma obra marcada por várias correntes, desde o neo-realismo ao expressionismo, passando pelo abstracionismo. Apesar de se ter dedicado sobretudo à pintura e desenho, Júlio Pomar realizou também trabalhos de gravura, escultura e assemblage, ilustração, cerâmica e vidro, tapeçaria, cenografia para teatro e decoração mural em azulejo, como se pode ver no acervo Atelier-Museu Júlio Pomar. Saiba mais sobre Júlio Pomar neste artigo.
O início de carreira de Júlio Pomar
Júlio Artur da Silva Pomar nasceu a 10 de janeiro de 1926, em Lisboa. Afirmou numa entrevista Diário de Notícias em 2016, que era uma criança introvertida e muito metido consigo próprio, refugiando-se “no gosto e na prática quase excessiva do desenho”. Na Escola António Arroio conheceu Marcelino Vespeira, Mário Cesariny, Fernando de Azevedo, Pedro Oom, José Gomes Pereira e Artur Cruzeiro Seixas, entre outros, que se haviam de afirmar como alguns dos mais importantes artistas portugueses da primeira metade do século XX.
Posteriormente estudou na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa e foi enquanto que estudava nesta instituição que vendeu o seu primeiro quadro, Os Saltimbancos, a José de Almada de Negreiros que fez questão de expôr a pintura ao público no VII Salão de Arte Moderna do Secretariado de Propaganda Nacional.
Após dois anos na Belas-Artes de Lisboa, decidiu mudar-se para o Porto, devido à descriminação de que eram alvo os ex-alunos da António Arroio. Começou a frequentar a Escola de Belas-Artes portuense, convivendo com o grupo de Fernando Lanhas, Júlio Resende e Amândio Silva, responsável pelas chamadas “Exposições Independentes”.
Em 1945, tornou-se responsável pela página semanal “A Arte”, do diário A Tarde, do Porto, mas foi com a obra “Gadanheiro” que começou a chamar a atenção. No mesmo ano, realizada na sequência da participação na IX Missão Estética de Férias em Évora, a pintura foi exposta na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, tendo conseguido fortes elogios a Mário Dionísio. Dois anos depois, Júlio Pomar realizou a sua primeira exposição individual, no Porto.
Problemas com a PIDE: A destruição dos frescos no Cinema Batalha
Em 1945, juntou-se às Juventudes Comunistas, e no ano seguinte, na MUD Juvenil, tendo acabado preso pela PIDE, em 1947. Apesar de estar preso, algumas das suas obras neo-realistas mais emblemáticas, como Almoço do Trolha ou Resistência, foram expostas na Exposição Geral de Artes Plásticas desse ano. Contudo, os frescos que pintou para o Cinema Batalha, no Porto, realizado entre 1946 e 1947, foram eliminados já depois da inauguração pela polícia política, em 1948. Atualmente é possível ver os emblemáticos frescos no Cinema Batalha.
Após a prisão, Júlio Pomar passou a viver sobretudo da ilustração, de trabalhos decorativos e cerâmica, colaborando em publicações com ligações ao movimento neo-realista. O ponto final da fase neo-realista coincide com a mudança para Paris. Mudou-se em 1963 e conseguiu bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, entre 1964 e 1966. Nesta fase parisiense, a obra de Júlio Pomar transformou-se devido às influências da pintura do pós-guerra, tendo um novo figurativismo.
O reconhecimento artístico e o Atelier-Museu Júlio Pomar
Sete anos depois, foi organizada em Lisboa a primeira exposição retrospectiva do artista, pela Fundação Gulbenkian e o seu reconhecimento continuou nos anos seguintes.
No ano de 2004, foi condecorado pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, com a Ordem da Liberdade. Entre as homenagens que recebeu, destacam-se também o grau de Doutor Honoris Causa, atribuído pela Universidade de Lisboa, e a Medalha Municipal de Honra, pela Câmara de Lisboa. Júlio Pomar foi também o único pintor português que, em vida, teve uma obra “Classificada” pelo Estado português: o Almoço do Trolha.
Em 2013, foi aberto ao público o Atelier-Museu Júlio Pomar, um museu dedicado à sua obra. O acervo de cerca de 400 obras de pintura, escultura, desenho, gravura, serigrafia e artes decorativas foi instalado num edifício perto da sua residência em Lisboa. Este edifício do século XVII foi alvo de uma reabilitação da autoria do arquitecto Siza Vieira.
As características das obras de Júlio Pomar
Júlio Pomar foi um importante artista plástico português cujas obras apresentam uma grande variedade de estilos e técnicas. No entanto, é possível destacar algumas características recorrentes na sua produção:- Expressividade: Júlio Pomar valorizava a expressividade e a espontaneidade nas suas obras, procurando uma comunicação mais direta com o espectador.
- Figuração: Embora tenha experimentado diversas linguagens artísticas, a figuração sempre esteve presente nas suas obras.
- Cores intensas: Júlio Pomar utilizava cores fortes e vibrantes nas suas obras, muitas vezes em contraste com fundos neutros, o que confere grande impacto visual às suas composições.
- Influência do expressionismo: A obra de Pomar foi influenciada pelo expressionismo pois conferia uma forma do artista expressar de forma subjectiva a natureza e o ser humano.
- Experimentação: Júlio Pomar nunca se limitou a um único estilo ou técnica, e sempre experimentou e inovou as suas produções, explorando sempre novas possibilidades e materiais.
Quais são as obras mais famosas de Júlio Pomar?
Júlio Pomar foi um pintor português que se destacou no cenário artístico nacional e internacional. Algumas de suas obras mais famosas são:- "O Almoço do Trolha" (1946-50): considerada um ícone do movimento neorrealista português, demonstra a realidade social e econômica de um casal da classe trabalhadora.
- "Retrato oficial do Presidente Mário Soares" (1992): retrato do presidente Mário Soares. A composição com manchas expressivas e dinâmicas, é constituída por várias características para que a figura de Mário Soares seja facilmente reconhecida.
- "Gadanheiro” (1945): A pintura neo-realista dialoga sobre a força do trabalho, aliada a uma forte consciência social, que liga uma posição estética à oposição política.
- "Macaco cozinheiro": séries de pinturas e serigrafias de quatro macacos, a realizar atividades humanas, tal como cozinhar. Estas obras podem ser abordadas, praticamente como um auto-retrato irónico ou uma sátira pictórica às atividades que os humanos realizam diariamente.
- Banhos Turcos de Pomar (1969): constituem uma pesquisa plástica distinta. Em vez de uma experimentação sobre o movimento, observamos agora uma pesquisa sobre a forma e sobre a relação desta com a cor.
Em constante movimento e criação, Júlio Pomar (1926-2018) foi um dos artistas portugueses mais conceituados do século XX. Durante o seu longo percurso criativo abordou nos seus trabalhos questões e temáticas como: o protesto, o erotismo, o fado, a tourada, a literatura, a mitologia, os índios Xingu do Brasil, D. Quixote, retratos e animais. Pertencente à terceira geração de modernistas, Júlio Pomar é um artista com obras que vão desde o neo-realismo ao expressionismo, passando pelo abstracionismo. Produziu, maioritariamente, pinturas e desenhos, mas também realizou trabalhos de gravura, escultura, ilustração, cerâmica, vidro, tapeçaria, colagens, cenografia para teatro e decoração mural em azulejo. Nos últimos anos de vida, dedicou-se também à poesia e à música.