O filme biográfico sobre o pintor Amadeo de Souza-Cardoso, intitulado “Amadeo”, estrear-se-á no dia 26 de janeiro de 2023, nos cinemas. O filme foi realizado com o apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual, da RTP, do Fundo de Turismo e Cinema e da Fundação Calouste Gulbenkian. A longa-metragem, que tem como subtítulo, “O homem que pintou o futuro”, retrata a ascensão do pintor natural de Amarante e o processo de criação das suas maiores obras. No elenco deste filme biográfico, destacam-se Rafael Morais, no papel do artista plástico, Eunice Muñoz, como avó de Amadeo, e de Rogério Samora, no papel de José Emygdio de Souza-Cardoso, pai do pintor.
Moderno desde do início, Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1917) foi um artistas inconfundível no panorama artístico português do século XX, por ter incorporado na sua pintura elementos dos novos movimentos artísticos: Expressionismo, Cubismo, Futurismo e Abstracionismo. A sua obra cheia de referências, desde da arte africana ao rigor das obras japonesas, é distinta pelo uso de cores fortes e o grafismo exuberante. Em 1913, foi selecionado para participar na emblemática exposição Armory Show nos Estados Unidos, onde expôs ao lado de Degas, Cézanne, Renoir, Monet, entre outros pintores. Em Portugal, foi membro do grupo Orpheu e estabeleceu companheirismo com artistas com paradigmas artísticos e políticos similares, como Almada Negreiros e Santa Rita Pintor.
Conte-nos como começou esta paixão de uma vida pelo cinema.
R: Começou ainda antes da adolescência, talvez aos 10 anos, quando vi o filme “E.T. – o extraterrestre” de Steven Spielberg no cinema. De repente, sentia na minha vida, na minha imaginação, no meu coração o poder que aquelas imagens tinham e como me alimentavam para lá da sala de cinema. O milagre do cinema não estava apenas na ilusão do grande ecrã, mas naquilo que era transformador na nossa vida. E aí começou uma relação profundamente emocional que evoluiu para uma ideia de vida. Queria viver dentro do cinema. Queria, portanto, fazer filmes e provocar nos outros aquele milagre que sentia.
Como surgiu a ideia e interesse de retratar a vida de Amadeo de Souza-Cardoso no filme?
R: NO seguinte dos filmes “Florbela” e “Al Berto” queria fechar a trilogia a que me tinha proposto com mais uma personagem que me implicasse pessoalmente, ou seja, cujo trajeto tivesse qualquer coisa que se cruzasse comigo, com a minha maneira de ser, de pensar, de estar. De ver a arte e o futuro, a vida e a criação. O Amadeo era uma dessas pessoas mas não estava na minha lista imediata para filmar. Digamos que se tornou incontornável quando comprei a sua fotobiografia após ter visitado uma exposição no Porto em novembro de 2016. Havia na sua postura, no seu olhar, um desafio, uma coragem que me enfeitiçou de tal maneira que não podia imaginar não fazer um filme sobre aquele rapaz que morre aos 30 anos com uma obra tão avassaladora, tão moderna, tão desafiadora.
A longa-metragem de ficção histórica é estruturada em 3 tempos/episódios da vida. Como foi o processo até estabelecer esta linha temporal?
R: Depois de muito estudar e investigar sobre a vida do pintor de Manhufe decidi-me por uma espécie de tríptico: três momentos que definissem a pessoa Amadeo e que nos possibilitassem vislumbrar como se construiu o artista Souza-Cardoso. 1916 ficará para sempre como ano maravilha, quando Amadeo organiza as primeiras grandes exposições modernistas em Portugal congregando toda a sua obra até à data, com 28 anos, num acto de bravura sem precedentes;1911, em Paris, quando numa noite em sua casa, à luz das velas, ele mostra os seus primeiros trabalhos como pintor a um grupo de artistas que por aquela altura andava a definir o modernismo, sem esquecer a presença do seu grande amigo e comparsa Modiglianni, que partilhava com ele a ideia da exposição e onde mostrou as suas célebres cabeças. E finalmente 1918, o ano da morte, da pandemia, o ano do desaparecimento físico e de certa forma o desaparecimento artístico. São três momentos decisores para nos aproximarmos dele.
Descobriste algo novo sobre o artista Amadeo de Souza-Cardoso?
R: Descobri a coragem, a marginalidade, a possibilidade da ambiguidade, da contradição. Um artista completo, como uma galáxia, onde tudo é possível. Tudo. Amadeo recusava e abominava ser engavetado num estilo ou capacidade. Ele era tudo e nada, maior e menor, revolucionário e conservador, antigo e novíssimo, ele queria albergar a vida e a pintura em toda a sua expansão e possibilidade.
Quais foram os maiores desafios na produção e rodagem deste filme?
R: Os maiores desafios foram, sem dúvida, reproduzir o seu atelier e as suas obras que estão à vista de qualquer um, quer seja no CAM da Fundação Calouste Gulbenkian, quer seja em Amarante, no museu que carrega o seu nome. Até o atelier pode ser visitado em Manhufe. Há um lado gráfico, muito visual, que permite a qualquer pessoa identificar a sua obra, a sua presença, por isso, reproduzir as obras, nomeadamente as 114 obras expostas na Exposição no Porto em 1916 (e que nós reproduzimos) foi o maior de todos os desafios. Graças ao Artur Pinheiro, o nosso diretor de arte e à investigadora Marta Soares, tudo correu pelo melhor.
Como correram as filmagens?
R: Foram cinco semanas e meia muito intensas, depois de dois anos de trabalho de preparação, foi um tempo muito feliz porque tínhamos uma equipa muito dedicada e um elenco muito coeso, que já vinha duma residência artística e que entendeu perfeitamente a delicadeza e a oportunidade de fazer este filme. O Amadeo era uma presença muito forte no plateau. As dificuldades de recrear 1916, Paris, uma pandemia (na altura não fazíamos ideia do que nos iria acontecer. Terminámos as filmagens dia 18 de dezembro de 2019, a 3 meses de ficarmos fechados em casa por causa do Covid-19) , foi um processo minucioso, mas estes projetos valem muito a pena exatamente por isso.
Qual é a tua opinião sobre o cinema português?
R: Não sei se tenho uma opinião sobre o cinema português. Tenho sim, um desejo tremendo para que o cinema feito na língua portuguesa continua a florescer, onde a diversidade de imaginários possa co-existir, que as profissões alicerçadas na sua produção tenham condições e mais proteção social e onde o que prevaleça, deva ser a capacidade de transcender, iluminar, sonhar e inspirar o mundo e o futuro.
Já trabalha no mundo da arte há algum tempo. Qual é o seu conselho para os jovens artistas?
R: Nunca desistir. Enquanto fizer sentido: nunca desistir.