A Fundação Cartier lança uma nova exposição com luz sobre a arte e o ativismo do povo indígena Yanomami da Amazónia. “The Yanomami Struggle”, que inaugurou no Shed em Nova York, evidencia os povos indígenas da Amazónia e a sua luta contínua pela sobrevivência. A sua situação é uma história universal e uma meditação inabalável sobre a condição humana - tanto as suas virtudes quanto as suas profundezas mais depravadas - e os ciclos de destruição que nos definem. No coração da exposição está o poder da arte de transcender, mas também as suas limitações. A exposição vai até 16 de abril e é apresentada pela Fondation Cartier pour l’art contemporain.
Estima-se que 30.000 Yanomami vivam num território que se estende do norte do Brasil até a Venezuela. A sua existência é ameaçada pela mineração ilegal. A exposição abre num momento precipitado: o governo brasileiro declarou emergência de saúde pública e o seu novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, acusou o seu antecessor, Jair Bolsonaro, de cometer “genocídio” contra os Yanomami. A fotógrafa Claudia Andujar, de 91 anos, vem registrando essa saga comovente há mais de 50 anos. As suas imagens notáveis, quase 200 delas, são o foco de “A Luta Yanomami”. A exposição abre com uma janela para o paraíso, os Yanomami no seu mundo – sem influência externa. Às vezes, as imagens saturadas de cores parecem de outro mundo, e não é porque estamos a ver uma cultura diferente. Andujar começou a documentar os Yanomami em 1971 como fotojornalista, mas muito antes disso já se interessava pela pintura abstrata. As suas técnicas desviaram-se drasticamente da reportagem quando começou a utilizar filme infravermelho e filtros coloridos, até mesmo passando vaselina nas suas lentes para imbuir as imagens com a sensação do estado de espírito Yanomami. Um yano, ou casa coletiva, fica num campo sci-fi de magenta elétrico. Noutra imagem, Andujar capturou o borrão de um xamã ao absorver o alucinógeno yakoana para manifestar os espíritos.
“Claudia Andujar tinha que representar coisas que eram invisíveis”, disse Thyago Nogueira, Diretor de Fotografia Contemporânea do Instituto Moreira Salles, São Paulo, que fez a curadoria da exposição. “Andujar usou todas as técnicas disponíveis para criar uma nova realidade a partir do que estava a aprender, para tornar visível o que não era visível. Foi uma longa busca, quanto mais aprendeu sobre a sua visão cósmica e espiritualidade. Na verdade, Andujar foi criticada por jornalistas e antropólogos [que disseram] ‘Isso não é documentário. Isso não é etnografia.'”
Na semana passada, na apresentação do programa, Nogueira estava sentado num banco em frente a uma grade de retratos comoventes do povo Yanomami de Andujar intitulados “Identidades em Movimento”. Ela costumava fotografar um assunto em luz natural usando um rolo inteiro de filme para ampliar a individualidade. Esta é outra razão pela qual as imagens de Andujar se destacam – não retratam outra cultura como o “outro”, mas as pessoas dentro dela. Como costuma acontecer na arte, eles também dizem muito sobre o criador. “Andujar perdeu toda a família no Holocausto”, disse Nogueira. “Els fugiu para a Suíça e depois mudou-se para o Brasil. Estava sempre a tentar encontrar um novo lar, que acabou por encontrar dentro dos Yanomami. A fotografia era uma forma de comunicar, de nos aproximarmos das pessoas.” Depois de passar pela parte paradisíaca da exposição (que também apresenta vídeos impressionantes feitos pelo cineasta Yanomami Morzaniel Ɨramari), há uma galeria de obras de arte Yanomami. À primeira vista, alguns parecem abstrações, mas são parábolas dos seus complexos sistemas de crenças.
Há também obras de Sheroanawe Hakihiwe, especialista em retratar a “memória oral” do seu povo e que representou a Venezuela na Bienal de Veneza de 2022. O Galpão é o primeiro local a receber artistas Yanomami (a exposição já foi realizada no IMS (São Paulo), na Fondation Cartier (Paris) e no Barbican (Londres), entre outros espaços. O espectador mergulha num mundo em chamas, com vislumbres de destruição e estragos causados em corpos indígenas na forma de doenças e violência. Pode ser difícil de olhar, muito menos entender. O tumulto levou Anjudar a mudar de artista de protesto para ativista em tempo integral. Nogueira espera que as mensagens mais amplas do programa reverberem. “Esta não é apenas uma história sobre algo que está a acontecer no meio da Amazónia”, disse ele. “Esta é uma luta pelo respeito à diversidade humana. Esta é uma luta por justiça social que corresponde à nossa própria sobrevivência e à sobrevivência de outros povos indígenas em todo o mundo”.